Questionando Góticos

(Paul Hodkinson, GOTH - Identity, Style and Subculture)



Talvez o mais óbvio seja que o estilo gótico, orbite uma ênfase geral em artefatos, aparências e música considerados adequadamente escuros, sombrios e, algumas vezes, macabros. Os entrevistados do questionário a seguir, indicam algumas das formas em que estes temas se manifestam:


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— Em suas próprias palavras, por favor explique, do que se trata a cena gótica?

— Música (obscura, depressiva), o visual, muito preto, faces brancas, delineador preto, crucifixos, cemitérios.

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Mais óbvio e importante, era uma avassaladora e consistente ênfase na cor preta, tanto em termos de vestuário, cabelo, decoração doméstica e até mesmo bichos de estimação! Em termos de aparência pessoal, o tema também foi implícito na tendência de muitos góticos a usar uma base branca sobre suas faces para destacar o usualmente consistente e estendido delineador preto, o blush acentuando as maçãs do rosto e o batom escuro, todas coisas que podem ser ligadas diretamente a algumas bandas do começo dos anos 80. Muito ironicamente, considerando a quantidade de tempo que a maioria deles gastavam na sua aparência, góticos também tendem a esperar que seus pubs e clubes sejam particularmente escurecidos, frequentemente com fumaça no palco ou atmosfera artificial.


Enquanto um número significante de elementos primevos, como os mencionados acima, estavam evidentemente vivos e bem, o tema do sombrio e do macabro também se desenvolveu de várias formas. Modas surgiram, dentro da cena, para itens que eram relativamente periféricos ao estilo da geração original, apesar de consistentes com os temas gerais com os quais suas imagens e sons estavam associados. Por exemplo, uma vez que o tema geral do gótico tinha se estabelecido por algum tempo, muitos continuaram a elaborar suas associações lógicas com o horror bebendo de várias imagens originárias na ficção macabra, como crucifixos, morcegos e vampiros, às vezes de uma forma auto irônica, às vezes não. Algumas vezes, tais progressões estiveram ligadas a influência clara e direta de produtos mediáticos.

O perfil da ficção de vampiros e horror, por exemplo, foi altamente desenvolvido em particular no começo dos anos 90 por filmes de Hollywood como Bram Stoker’s Drácula (1992) e Interview With The Vampire (1994). A aparência dos vampiros protagonistas destes filmes reforçou o já existente entusiasmo entre os homens góticos por faces esbranquiçadas, longos cabelos negros e óculos escuros.


Enquanto isso, para as mulheres, as representações gerais de elementos da moda dos séculos dezoito e dezenove nestes filmes encorajou que se fosse mais longe na adoção de certos estilos de vestimenta associados com o revival gótico dessas épocas e do período Vitoriano que se seguiu a eles. Apesar de já estarem estabelecidos como aceitáveis devido a influência original de elementos da moda punk, e depois mais encorajados por artistas do final dos anos 80, como Patrícia Morrison e Juliane Reagan, o uso de corsets de cor escura, corpetes e tops e roupas de laço ou veludo foram indubitavelmente encorajados pelo desenvolvimento de um elo mais direto entre participantes góticos e ficção vampírica.


Entre uma, de certo modo, pequena minoria, particularmente dominada pela temática vampírica, adereços pessoais indicadores de status passaram a incluir presas falsas, lentes de contato coloridas e elaboradas maquiagens de estilo "horror". Sem dúvida, havia um subgrupo frouxamente delimitado, no qual a ênfase direta na ficção vampírica - através da aparência, conversação, coleções de literatura e até mesmo role-playing games (RPG) - era particularmente perceptível. Como parte da cena gótica britânica como um todo, todavia, aqueles considerados obcecados demais com tais temas ou que os levavam muito a sério, eram às vezes olhados com estranheza. 


A maioria, cujos interesses eram essencialmente um conjunto de música e moda relacionadas ao sombrio e ao macabro em termos mais gerais, valorizavam uma apropriação mais sutil ou, ao menos, mais bem humorada, do imaginário de horror e tendiam a considerar uma adoção extremada do vampirismo como uma confirmação cruel dos estereótipos populares. A visão a seguir, embora não usual pela sua franqueza, refletia os sentimentos de muitos:


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— Os vampiros, você sabe, aqueles que jogam Masquerade (RPG de vampiro) e tal, eles se vestem como góticos e realmente possuem umas maquiagens horrendas e tal, e essas maquiagens invariavelmente envolvem sangue falso escorrendo pelas suas faces e coisas desse tipo, e aparecem nos clubes góticos e não conseguem se encaixar completamente, porque perderam completamente a piada.

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Da mesma forma que se manifestando em uma grande variedade de formas se compararmos com a prática do começo dos anos 80, aconteceram também, mais para o final dos anos 90, transgressões mais óbvias da ênfase no imaginário obscuro do que haviam acontecido nos anos 80.

Mais perceptivelmente, embora o preto tenha permanecido predominante, cores mais brilhantes claramente se tornaram mais aceitáveis em termos de cabelo, vestimenta e maquiagem. O que começou como uma deliberada e bem humorada transgressão de certos indivíduos, resultou na aceitação translocal da anteriormente detestada cor rosa, como um complemento do preto, entre os góticos britânicos. Isto foi seguido por um relaxamento similar para as regras relacionadas a outras cores brilhantes. Crucialmente, todavia, elas eram usualmente justapostas a cabelos, maquiagens e outras roupas mais consistentes com o tema sinistro que estamos descrevendo. O preto, então, permaneceu como a cor mais proeminente para a ampla maioria dos góticos e, similarmente, a maioria manteve uma variedade de outras características específicas relacionadas ao tema que podiam ser relacionadas com as bandas dos anos 80. Por exemplo, mesmo a pequena minoria para os quais as cores escuras pareciam de significado marginal, tendia a montar sua maquiagem no tão falado estilo gótico, com excessivo delineador estendido, maçãs do rosto acentuadas e base pálida.

Em termos gerais, a música relacionada com a cena gótica durante o final dos anos 90 era mais diversificada que a moda. Apesar disso, do começo dos anos 80 em diante, incluindo até a época de minha pesquisa, uma significativa proporção dos setlists da maioria dos clubes de tendência gótica poderia ser razoavelmente e acuradamente descrita usando um ou mais dos adjetivos "escura", "profunda", e "sombria". 

Tais temas relacionados, todavia, aplicados a uma considerável variedade de música, com vocalistas masculinos de voz profunda, vocalistas femininas de tom alto, tempos tanto lentos como acelerados, vários estilos de guitarra, do melodioso e ritmado até o agressivo e estilo thrash, percussão acústica ou simulada eletronicamente e, principalmente nos anos 90, acordes de teclado tanto atmosféricos como sequenciados com batidas mais aceleradas. 


Em particular, existe pouca dúvida que jamais as bandas associadas à cena gótica estiveram produzindo uma diversidade de estilos tão considerável, abarcando desde aqueles focados no gótico baseado em guitarra do começo e particularmente final dos anos 80, passando por sonoridades que buscaram misturar tais sons com acordes eletrônicos, sequenciados e batidas dançantes, até outros que resistiram grandemente a tal tecnologia em favor do que consideraram como um melódico, atualizado e irresistível estilo indie de som gótico.

Apesar da sua variedade, todavia, existiam poucas bandas associadas com a cena gótica que não tinha nenhuma conexão com de algum tipo com os temas obscuros e sombrios que temos descrito. Até as bandas mais abertamente dance que atraíram uma consistente audiência gótica, como Apoptygma Berzerk, Covenant e VNV Nation, mantiveram vocais profundo e áspero, letras sombrias e metafóricas e poderosos acordes atmosféricos.

Se a consistente manifestação do sombrio e do macabro na música e na moda era clara, sua importância em termos de comportamento, atitude e perspectiva era ambígua. Excessiva depressão e amuo pareciam ser exibidos por alguns indivíduos, mas a maioria se tornou resistente a estes traços, considerando-os, da mesma forma que o excessivo interesse em vampirismo, como um deslocado estereótipo negativo de gótico ostentado por pessoas de fora da cena. 


Por essa razão, enquanto alguns góticos clamavam que pertencer a sua subcultura implicava apresentar certas "atitudes", a maioria minimizava a importância de perspectivas negativas ou miseráveis sobre a vida, preferindo enfatizar um entusiasmo positivo em relação aos estilos de música e moda gótica. Isto ficou particularmente claro no questionário do Whitby Festival (famoso festival gótico no norte da Inglaterra).


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— Nas suas próprias palavras, por favor explique, do que se trata a cena gótica?
— Se deleitar em uma espirituosa visão do lado obscuro da vida, distendendo as fronteiras do estilo e som.
Para mim é sobre me vestir como eu me sinto, e não sobre ser miserável e aborrecida.

@HailJon



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