Contos e Lendas Medievais

Frei Pacômio – O Monge que Voltou 400 Anos Depois

 Em princípios do século décimo, vivia num convento de beneditinos um santo religioso, chamado frei Pacômio, que não podia compreender como os bem-aventurados não se cansam de contemplar por toda a eternidade as mesmas belezas e gozar dos mesmos gozos.

Um dia mandou-o o Prior a um bosque vizinho, para recolher alguma lenha. Foi com gosto, mas mesmo no trabalho não o largavam as dúvidas.

De repente ouviu a voz de uma avezinha que cantava maravilhosamente entre os ramos. Ergueu-se e viu um animalzinho tão encantador, como jamais vira em sua vida. Saltava de um ramo para outro, cantando, brincando e internando-se na selva.

Seguiu-o frei Pacômio, todo enlevado, sem dar-se conta do tempo nem do lugar.

A certa altura a avezinha atirou aos ares o último e mais doce gorjeio e desapareceu. Lembrando-se então de seu trabalho, frei Pacômio procurou o machado para voltar ao convento. Mas — coisa estranha! — achou-o enferrujado. Quis pegar o feixe de lenha que ajuntara, mas não o encontrou.

— Alguém mo terá roubado? — pensou.

Pôs-se a andar, mas não encontrava o caminho. Chegou, afinal, à beira do bosque, mas não encontrou o mato que tão bem conhecia. Ali estava agora um campo de trigo, em que trabalhavam homens desconhecidos. Perguntou a um deles o caminho do mosteiro, pois de certo se havia extraviado. Todos olharam para ele com surpresa, e em seguida indicaram-lhe o mosteiro.

Chegou afinal ao mosteiro. Mas — grande Deus! — como estava mudado! Em lugar da casa modesta de sempre, viu um edifício magnífico ao lado de uma grandiosa capela. Intrigado, bateu à porta; um irmão desconhecido veio abrir.

— Sois novo aqui — disse-lhe Pacômio. — Eu venho do bosque aonde me mandou esta manhã o Prior D. Anselmo, para buscar lenha.

Admirado, o porteiro deixou ali o hóspede e foi avisar o Prior que estava na portaria um monge com hábito velho, barba e cabelos brancos como a neve, perguntando pelo Prior Anselmo.

O caso era curioso. O Prior, abrindo os registros do convento, descobriu o nome do Prior Anselmo, que ali vivera quatrocentos anos antes.

Continuou a ler, e achou nos anais daquele tempo o seguinte:

— Esta manhã frei Pacômio foi mandado buscar lenha no bosque e desapareceu.

Chamaram o hóspede e fizeram-no entrar e contar a sua história.

Frei Pacômio narrou o caso de suas dúvidas sobre a felicidade do paraíso, e o Prior começou a compreender o mistério.

Deus quis mostrar ao pio religioso que, se o canto de uma avezinha era capaz de encantar-lhe a alma por séculos inteiros, quanto mais a formosura de Deus há de embevecer os bem-aventurados por toda a eternidade, sem que eles jamais se cansem.

As Façanhas de Beuvon

 Os sarracenos ocupavam, em outros tempos, grande parte da Provença. A impiedade deles chegou a tal ponto, que Deus decidiu extirpá-los dali para sempre.

Escolheu como instrumento de sua santíssima vontade um herói chamado Beuvon. Educado no temor de Deus e no ódio aos infiéis, era um cavaleiro puro e piedoso, e seu coração estava cheio de valor.

Num dia de verão, cansado pelo calor, adormeceu à sombra de uma árvore. No sono, teve uma maravilhosa visão. Apareceu-lhe São Pedro, e lhe disse:

— Levanta-te, sem demora nem vacilação, e marcha contra os sarracenos, que por sua impiedade excitaram a ira de Deus. Tu os expulsarás de Peyrempi. Uma vez tomada essa fortaleza, não te será difícil persegui-los, até fazê-los desaparecer do país.

Beuvon se levantou e tomou o caminho de Peyrempi. Durante sua marcha encontrou muitos soldados, que tentou convencer a segui-los em sua cruzada, mas quase todos julgavam que era uma loucura marchar contra a cidade sarracena mais fortificada. Só conseguiu três soldados para acompanhá-lo, ante o assombro dos demais. Assim prosseguiram, até chegar perto da cidade.

Quando os sarracenos viram chegar os quatro cavaleiros, pensaram que eram loucos, e sem preparar-se para a defesa, começaram a zombar. Beuvon e seus companheiros se ajoelharam e rezaram com fervor.

Invocaram a Santíssima Virgem, e imediatamente veio o auxílio prometido por São Pedro. À medida que as palavras das orações evolavam de seus lábios de cavaleiros, caíam flechas do céu sobre os sarracenos. Foram tantos os mortos e feridos, que os sarracenos aterrorizados correram a se proteger dentro dos muros da fortaleza.

Beuvon e seus companheiros levantaram-se e marcharam até a fortaleza. Mas a ponte levadiça já tinha sido levantada, e um profundo fosso que rodeava as muralhas impedia os cavaleiros de chegar até os inimigos.

Beuvon aproximou-se do fosso, e de joelhos começou a rezar. No mesmo instante apareceu de maneira sobrenatural uma ponte, pela qual entraram os quatro guerreiros na fortaleza inimiga. Em pouco tempo o entusiasmo de Beuvon e de seus companheiros exterminou os infiéis. Mas Beuvon, cheio de coragem e piedade, perdoou os inimigos que queriam ser batizados na Fé Católica.

A catedral de Lund

 Em Zchonen, cidade universitária e primeiro arcebispado da Escandinávia, ergue-se formosa catedral romana.
Debaixo do coro, abre-se grande e bela cripta. Dizem todos que a igreja nunca será terminada, que sempre faltará alguma coisa, e que o motivo é este:
Quando São Lourenço chegou a Lund, a fim de pregar o Catolicismo, desejou construir uma igreja, mas carecia dos meios necessários e não sabia onde arranjá-los.
Pensando constantemente no seu objetivo, teve um dia a surpresa de ver na sua frente um gigante, que se ofereceu para em pouco tempo erguer o templo, contanto que São Lourenço adivinhasse o seu nome antes do fim.
Se não o conseguisse, o gigante receberia como prêmio da aposta o Sol, a Lua ou os olhos do santo. Este, confiando em Nossa Senhora, não teve o menor receio e aceitou a imposição.
Iniciou-se a construção, e dentro em pouco o templo estava quase pronto. São Lourenço, pensando tristemente em como descobrir o nome do gigante, pois evidentemente não queria de maneira nenhuma desfazer-se dos seus olhos, tão necessários para a glória de Deus.
Um dia, percorrendo as ruas da cidade, sentiu-se cansado e resolveu sentar-se na encosta de uma colina.
Do interior da colina chamou-lhe a atenção o pranto de uma criança e a voz de uma mulher que cantava:
— Durma bem, durma bem, filhinho meu, que amanhã regressa o bom Finn, seu pai, e você brincará com o Sol ou a Lua, ou então com os olhos de Lourenço.
O santo, ouvindo aquilo, alegrou-se imensamente. Sabia, por fim, o nome do gigante. Imediatamente voltou para a igreja, e viu o gigante sentado já no teto, preparando-se para colocar a última pedra. Gritou-lhe:
— Ó Finn, coloque bem a última pedra!

O gigante, enfurecido, atirou a pedra para longe, afirmando que a igreja jamais ficaria terminada, e desapareceu. A partir daquele dia, falta na igreja sempre alguma coisa.

O Rapaz que foi Estrangulado pelo Demônio

 Dois estudantes, dando-se mais à vadiação do que aos estudos, resolveram ir passar a noite numa casa suspeita. Por um resto de pudor, porém, um deles desistiu e ficou na pensão, indo só o outro.

Na hora de deitar-se, segundo o seu hábito, o primeiro rezou ao pé da cama três Ave-Marias. Era um costume de família, que manteve no colégio onde fez seus preparatórios.

Logo que se deitou, ouviu umas pancadas na porta, e o seu infeliz companheiro apareceu no quarto. Que mudança! Que rosto lívido!

— Que lhe aconteceu? — perguntou.

— Ah! Meu amigo, que infelicidade a minha! Ao sair de casa, fui agarrado por um demônio e estrangulado no meio da rua. Meu corpo está na calçada, e minha alma no inferno. Esperava-te a mesma sorte, mas Nossa Senhora te poupou esta infelicidade, pelas Ave-Marias que rezaste. Feliz serás, se aproveitares este aviso que a Mãe de Deus te dá por minha boca.

Dito isto, a visão desapareceu. O moço desatou em prantos e agradeceu à sua Benfeitora por tamanho favor. Pediu-lhe força e coragem para mudar de vida.

De manhã cedo, encaminhou os passos para o convento dos Franciscanos, pedindo ser admitido sem demora na Ordem. Conhecendo-lhe a vida desregrada, o Superior não acedeu ao seu desejo. Porém, depois que o moço narrou o acontecido, dois religiosos foram mandados para averiguar a verdade.

Com efeito, acharam o corpo do infeliz moço, com o rosto enegrecido como carvão. O postulante foi então admitido ao noviciado. Tornou-se religioso exemplar e foi enviado às Índias para pregar o Evangelho.


Terminou a vida derramando seu sangue no martírio.

A Lenda do Desterrado

 Quem tem pecado muito e teme por sua salvação, que ouça uma lenda alemã adequada.

Um pobre desterrado retornava à pátria após 30 anos de ausência. Os padecimentos haviam-no encanecido, e o haviam tornado irreconhecível. À entrada do lugar, topou uns companheiros de sua juventude e estendeu-lhes a mão para saudá-los.

Mas eles recusaram o cumprimento, pois não o reconheceram. O desterrado foi adiante e viu um irmão seu, com quem havia trabalhado, comido e dormido. Chamou-o, mas o outro não o reconheceu e o fitou com desprezo.

Pobre desterrado! Entrementes era insultado pela garotada, e mantido debaixo do olho da polícia. Dando mais uns passos, viu à sacada sua irmã. Gritou a ela, com afeição:

— Minha irmã!

Mas também ela o não reconheceu, e lhe virou as costas. Finalmente, desanimado e humilhado, chegou à casa paterna. Uma velha vestida de luto estava sentada perto da porta. Era sua mãe.

— Ao menos esta reconhecer-me-á — dizia o infeliz.

Aproximou-se dela. A mulher fitou o forasteiro e o reconheceu logo.

— Oh! O meu filho! — exclamou enternecida. Mãe e filho se apertaram num longo abraço.


Eis o que faz a mãe afetuosa. E é o que faz Maria com os pecadores.


A Lenda da Fidelidade

 Conta-se que em tempos muito remotos havia um convento de monjas agostinianas, perto da cartuxa de Monte Alegre. Havia entre elas — e era, por certo, a mais humilde — uma monja de família nobre, de alta linhagem e muito bela.

Numa tarde, um cavaleiro que habitava nos arredores do castelo desse lugar, por acaso viu-a no jardim, e de tal maneira impressionou-se por sua beleza, que não teve mais repouso. Desde então o cavaleiro rondava todas as noites o jardim do convento, chegando ao extremo de escalar os muros e cantar em frente à cela da enclausurada.

Esta teve notícia dos padecimentos do jovem cavaleiro, e chorou amargamente por ser causa deles. Sua humildade e sua religião não podiam suportar a situação que o cavaleiro lhe criava, rondando-a como se fosse do mundo.

Uma tarde, depois de rezar devotamente na capela do convento, pedindo conselho a  Santíssima Virgem, tomou uma decisão heróica. Ao chegar a noite, a monja esperou atrás da cela em que o cavaleiro escalava o muro do convento, como era seu costume.

Não teve que esperar muito tempo. Apenas a lua despontou no céu, viu o cavaleiro que, colocando uma escada no muro, desceu em silêncio por ela, levando sua espada. Saiu então a monja e se aproximou do cavaleiro, que estava trêmulo de emoção. Ela então lhe disse que havia sabido do muito que por seu amor sofria tentações, e que não poderia consentir nisso. E tampouco podia tolerar que todas as noites ele rondasse sua cela e lhe cantasse trovas, quebrando o espírito de clausura.

O cavaleiro referiu-se à sua extrema beleza. Ao ouvir estas palavras, a religiosa respondeu que, como era sua beleza que causava suas tentações, estava decidida a destruí-la, para devolver à sua alma a tranqüilidade que tinha perdido.

Dizendo isto, tirou uma adaga que trazia escondida embaixo do escapulário, e com um só golpe cortou o nariz. A lenda não conta o que aconteceu com o cavaleiro, mas nos consta que naquele lugar nasceu um raro arbusto, de uma espécie desconhecida até então, que dava flores de cor vermelha e em forma de nariz.


Os cientistas do país asseguram que não há outro igual em toda a Catalunha. Em várias ocasiões, procuraram extirpá-lo, mas renascia com maior louçania. Puseram-lhe o nome de "arbusto de fogo", mas o povo, sempre amante do maravilhoso, o chama de "arbusto dos narizes".

O Jogral e a Virgem

 Muitos peregrinos, vindos dos mais remotos confins da Cristandade, iam à romaria do Santuário de Nossa Senhora de Rocamador. Era gente de toda espécie, desde mendigos ou empestados até fidalgos e grandes dignitários da Igreja.

Freqüentemente misturavam-se àquela turba alguns indivíduos aloucados, galhofeiros ou poetas, que tanto entoavam uma canção, acompanhando-a com qualquer instrumento, como embasbacavam o povo com malabarismos e trabalhos de saltimbancos.

Singlar era um desses. Jovem, espalhafatoso, tagarela, mas de caráter doce, excelente no uso dos instrumentos musicais e dulcíssimo no cantar. Alto poeta, encontrava sempre, no momento exato, a palavra mais viva, mais colorida e musical para dizer as coisas.

Além disso, era devoto fiel da Virgem, e por isso fora a Rocamador. Rezou diante da imagem. Sabia, porém, que jamais poderia, com orações, dizer-lhe os sentimentos que transbordavam de seu coração.

Uma canção subia-lhe à flor dos lábios, e as pontas de seus dedos formigavam nervosamente, desejosos do instrumento. Não pôde conter-se: apanhou o alaúde e cantou uma loa suave e ingênua. O jogral estava emocionado, enlevado, e prostrou-se diante da imagem. Nela, os olhos e as pedrarias do traje fulguravam.

— Senhora — disse-lhe o cantor — estais vendo que eu canto para vós com todo o meu coração. Desejaria saber se meus louvores são recebidos com agrado.

O santuário estava cheio de gente, naquele momento. Todas as pessoas puderam ver um dos círios, saindo do candelabro em que estava colocado, descer até junto do poeta.

Houve um coro de exclamações. Gente corria de todos os cantos, para colocar-se ao lado do jovem:

— Milagre! Milagre!

Depressa chegou a notícia à clausura dos monges, que desceram todos para a igreja.

Os demais ajoelharam-se, confundidos com o povo que elevava fervorosas preces a Nossa Senhora. Fazendo aquele prodígio, como prêmio ao canto ingênuo e sincero de um simples jogral, acabava Ela de dar a toda aquela gente uma lição de humildade.

Só um homem permanecia em pé. Fez caminho entre os que estavam ajoelhados, e colocando-se diante do jogral, disse, em voz muito alta:

— Não vos deixeis enganar! Aqui não houve milagre! Acreditais que a Rainha dos Céus desperdiçaria suas graças numa tolice como esta? Levantai-vos! Não houve milagre, e sim mistificação deste velhaco, ou talvez sortilégio, arte do diabo.

Primeiro os monges, depois os peregrinos, foram pondo-se todos de pé, e depois afastando-se cautelosamente, um pouco encabulados, como que tomados de vergonha.

Muitos procuravam lugar atrás das colunas ou em algum canto pouco iluminado. Entretanto, ninguém saiu do templo.

Por sua vez, Singlar ali continuava, ajoelhado diante da Virgem. Na frente dele, repreendendo-o, um monge tornara a colocar o círio no candelabro.

Os pescoços esticavam-se, gente se punha em pontas de pés. Todos os olhos estavam fixos no jogral, que pela segunda vez tirava notas dulcíssimas do alaúde e tornava a improvisar um cântico de louvor.

O círio tornou a descer para junto do poeta.

Gritos atroadores do monge retiveram a meio caminho as pessoas que se apressavam para o altar:

— Não vos aproximeis! Isto é obra de bruxaria! Este homem é um mágico que veio afrontar Nossa Senhora! Tem pacto com Satanás!

Em vão Singlar negava, os olhos cheios de lágrimas:

— Senhora, não me abandoneis!

O monge tinha apanhado o círio, e retinha-o com força entre as mãos, enquanto dizia:

— Estrela Matutina, Torre de Davi, Mãe do Salvador, não permitas que ante tua imagem o inferno possa agir como deseja!

A canção de Singlar entrava como alfinetadas de gozo no coração de todos. Subia, retilínea, pura, clara, até a Virgem de Rocamador...

O círio deu um salto, e das mãos do monge foi ter à mão direita do jogral.


Mesmo aquele monge tombou de joelhos. Um "Ave!" espontâneo, vibrante, maravilhoso, brotou de todas as gargantas.


A Catedral Submersa

 Na Bretanha, as crianças ouvem contar a lenda da catedral submersa:

"Era uma vez uma catedral bonita, plantada havia muitos anos na beira do mar.

Era a jóia da aldeia, o povo gostava dela. Em dia de festa, mais bonita ficava, cheia de gente, e os sinos dobrando.

"Mas um dia — foi o vento? foi a maré muito forte? foram os pecados da gente que irritaram a Deus? — o certo é que o mar subiu e devorou a catedral.

Depois, durante muitos séculos não se ouviu falar mais da "cathédrale engloutie".

Mas quando era calma a noite, quando não silvava o vento gemendo no arvoredo, nem uivavam os cães na redondeza, se o barqueiro que singrasse aquelas ondas apurava o ouvido, escutava lá longe, vindo do fundo das águas, o claro som argênteo de sinos tocando. Eram os sinos da catedral, que dobravam para as suas festas".

Ora, é um pouco assim com cada alma humana. Quantas vezes esbarramos na vida com um ser abjeto, cheio de defeitos. Pensamos com asco que nada de sadio existe nele. Bastaria, entretanto, aguçar o ouvido para escutar — muito distantes, talvez, mas sonoros e cristalinos — cantarem os sinos dessa "cathédrale engloutie".


O que é preciso é não desesperar de ninguém. É saber descobrir em cada coração o reflexo de Deus que aí existe, ainda que esteja envolto na lama. É saber dar a esse mísero desgraçado a possibilidade de emergir para a vida. Fazer que cantem os sinos da catedral.


A Ponte do Diabo de Saint Guilhem-le-Désert

 Na região de Hérault, perto de Saint Guilhem-le-Désert, na França, há uma magnífica ponte.

Em tempos muito antigos, os pobres habitantes de Saint-Guilhem padeciam terrível isolamento. Era impossível atravessar o rio Hérault por causa dos abismos e dos redemoinhos. Por isso, eles tinham que enfrentar perigosas e longas travessias através das florestas e das montanhas.

Um dia, um dos habitantes teve que percorrer muitas léguas para contornar o rio.

Ele jurou então que faria tudo para evitar esses desvios.

Como acontece nesses momentos de cólera, juramentos e impaciência súbita, Lúcifer anda por perto. Disfarçado, ele se aproximou de mansinho do nosso homem e com voz melosa, disse:

— Quantas voltas para vender a mercadoria!

— Talvez eu possa ter a solução.

 Ah, é! Eu faria qualquer coisa para evitar essas léguas feitas a pé... bradou o homem cheio de raiva.

 Talvez eu possa ter a solução... insinuou Belzebu.

 E... o que é que você quer em troca, estrangeiro?...

 Bem, como sempre... tua alma!” soprou o diabo junto com um bafo de enxofre.

 Escuta... a alma de minha sogra não te parece suficiente?... negociou o homem.

 Bom, a alma de uma mulher vale também... e até mais... uivou o diabo.

 Muito bem, eu vou trazê-la amanhã, mas com a condição de que a ponte seja bela, larga, elegante e esteja terminada em 24 horas...

O homem achava que estava sendo mais esperto que o próprio Maligno.

 Bom, até amanhã, bom homem. A primeira pessoa que atravessar a ponte será minha por... mas ele não teve tempo de concluir a frase de tal maneira estava apressado querendo voltar aos infernos e procurar algum plano de construção.

A ponte de incrível engenharia foi construída numa noite.

Porém, pela manhã ninguém criava coragem para atravessá-la.

Pois, durante a noite nosso homem teve uma ideia. Em lugar de sacrificar sua sogra, ele mandou atravessar a ponte... um gato.

O coitado do animal foi sacrificado pelo bem da comunidade.

Satanás perdeu a cabeça de cólera. Ele uivava de ódio e gesticulava de modos apavorantes.

Ele mergulhou como um louco no meio de um redemoinho.

O pároco de Saint-Guilhem então teve que jogar água benta no local.


E, desde aquela época, Lúcifer tenta em vão sair do sorvedouro.

Mas, hoje são poucas as pessoas que cruzam o rio por essa antiga ponte.


Pois todos sabem que um belo dia o diabo pode sair à superfície e reclamar o pagamento de sua obra.


A dama branca do castelo de Puivert

Por causa da beleza, real ou imaginária, de uma mulher às vezes os homens cometem os erros mais incríveis, como sugere uma antiga lenda da região de Aude, na França.

Pelo fim do século XIII, uma linda princesa aragonesa foi convidada por Jean de Bruyères, senhor de Puivert para ficar em seu magnífico castelo.

Ela adorava as colinas da paisagem e, sobretudo, meditar olhando para o lago, sentada numa rocha em forma de cadeira esculpida como por arte de magia.

Mas, uma noite de tempestades fez desbordarem os rios e a cheia do lago cobriu a cadeira.

O senhor Jean, muito gentilmente se aproximou e disse à bela:

— Mas, ... mas ... eu vejo muito triste minha senhora.

  Não, meu Senhor.

  Princesa, se eu posso ler seus olhos tão azuis que costumam fazer o céu ficar pálido...

  Não, não, é simples poeira nos olhos...

  Eu vou mandar construir um muro para impedir o pó empregando todas essas pessoas, disse o senhor.

  Não façais nada, meu senhor, a verdade é outra, disse a princesa sabendo que esse senhor faria qualquer coisa por ela.

  Diga-me, princesa, eu quero ver seu sorriso.

  A chuva cobriu meu banco, e eu não posso ouvir os pássaros e o leve sopro do vento nesse local.

Vendo a tristeza da Bela, o senhor decidiu iniciar o trabalho para regular o nível do lago e, assim, voltar a contemplar o brilho de neve e o sorriso brilhante como o sol em seus olhos tão azuis.

E fez-se assim. Então, durante muitas semanas, todo pareceu radiante para o senhor e para a bela.

E também para a natureza que resplandecia.

Às vezes um pouco de chuva fazia subir o rio, mas a barragem regulava o nível perfeitamente, e quando as gotas haviam desaparecido a bela voltava para o lindo lugar de felicidade.

Mas a "mãe natureza" é mais forte que um amor platônico. Uma noite, em junho de 1289, a chuva ficou mais violenta, o nível do rio cresceu desmesuradamente, e as águas represadas acabaram arrebentando a barragem do lago.

A enchente engoliu todo o vale e afogaram-se os habitantes da cidade nas encostas da montanha chamada Mirepoix.

A princesa quis ver a gravidade das chuvas, chegou muito perto da correnteza e ela também foi tragada pela enxurrada devastadora.


Desde aquela triste data, no anoitecer, em conversas e vigílias, em voz baixa, os habitantes do vale contam que nas noites de chuva, uma mulher vestida de branco vagueia ao redor do castelo para evitar que os caminhantes sejam vítimas do perigo.


As três moças de São Nizier

 Em Vercors, nos Alpes franceses, subindo ainda mais alto pelo lado da Torre Sans-Venin, hás três rochedos verticais que parecem estátuas e sobressaem na montanha.

Todos os habitantes de Grenoble conhecem esses três rochedos míticos que surgem altaneiros entre as crestas de Vercors. Os alpinistas vencem muitos desafios quando conseguem escalá-los.

Mas sabeis qual é a origem de seu nome tão curioso? Pois eles são conhecidos como "as três moças de São Nizier". Eis o que aconteceu:

Três moças muito belas e sobre tudo muito vaidosas viviam numa aldeia de Vercors. Os seus costumes coquetes deixavam surpresos os habitantes do local que tinham muitas dificuldades para sobreviver cultivando aquela terra árida no verão e fria no inverno.

Num verão, enquanto todo mundo trabalhava duro nos campos, as três senhoritas passeavam pelas pradarias.

— Oh!, exclamou uma delas, olhem! Com essas flores eu arranjarei um lindo vaso!

 Ah! com elas eu faria uma coroa para meus cabelos, disse uma outra.

 Olha! o vendedor ambulante de panos está vindo ai!

 Ah! Sim, sim! Vamos ver quais são as novas cores no seu carrinho!

E partiram com inteira despreocupação sem pensar nos perigos que poderiam acontecer.

Após terem descido a ladeira encontraram três malandros que as aguardavam. Eles avançavam gritando obscenidades irreproduzíveis.

Socorro! Ajuda! Gritou uma.

Fujamos logo! Disse outra.

Ah! Se eu tivesse sabido... acrescentou a terceira.

As três vaidosas compreenderam tarde seu erro. E saíram correndo em direção da aldeia que ficava muito longe.

Mas as roupas prendiam nas pedras e os bandidos se aproximavam expertos, agressivos e velozes.

Percebendo que estavam perdidas, as três lembraram de invocar o Santo da paróquia.

São Nizier sempre foi muito solícito com seus devotos. Lá, do Céu estava vendo a cena e decidiu dar uma lição exemplar às três moças e que valesse para todas as coquetes que andam pelo mundo. Todas elas ficariam sabendo que a despreocupação de descocada tem graves conseqüências.

São Nizier, em lugar de castigar os vagabundos, decidiu transformar as três moças em rochedos.

Os criminosos ficaram sem o que queriam. As moças foram salvas.


Mas ficaram para sempre lá petrificadas lembrando às moças do vale de serem sérias, prudentes, laboriosas, e obedientes aos pais.


Os três pinheiros de Thann

 Na cidade de Thann, na Alsácia, França, todos os anos, no dia 30 de junho, os habitantes queimam três pinheiros na praça central da cidade.

A festa vem de um fato curioso da Idade Média.

Na metade do século XII vivia na Itália um santo homem chamado Thiébaut. Ele era bispo da cidade de Gubbio, na Umbria. Ele viveu sempre acompanhado de seu servidor.

Um dia, se sentindo mal lhe disse:

— "Aproxima-te fiel servidor".

 "Cá estou, monsenhor".

 "Há muitos anos, tu me serves lealmente, eu devo te recompensar".

 "Não, monsenhor, já é uma honra vos servir".

 "Escuta em lugar de falar... Quando eu partirei desta terra..."

 "Não fale isso..."

 "Chega, escuta bem! Eu quero que quando eu morrer, tu fiques com meu anel de bispo... shh!... É uma ordem!"

Foi assim que no ano do Senhor de 1160, o bispo São Thiébaut partiu para o céu.

Fazendo como lhe fora ordenado, o servidor foi tirar o anel do santo. Mas, quanto mais ele tentava tirá-lo do dedo do morto, tanto mais ele se recusava a sair. Ele puxou, puxou, puxou, até que arrancou o dedo.

Ele ficou totalmente perplexo, mas afinal acreditou se tratar seguramente de um sinal divino. Ele, então, encaixou "anel e dedo" no seu cajado de peregrino e voltou a pé para sua terra natal, a Lorena.

A rota é longa desde a Itália até sua cidade no leste da França.

Numa noite do ano 1161, ele chegou a Thann, cidadezinha custodiada por um imenso castelo. Como ele estava fatigado, decidiu dormir na orla da floresta. Ele apoiou o cajado num pinheiro e dormiu.

Na manhã seguinte, ele comeu rapidamente alguns pedaços de seu pão, e foi partir novamente. Aproximou-se do pinheiro para pegar o cajado.

Mas, aconteceu o mesmo que com o anel. Ele não conseguia tirá-lo do lugar. Ele puxou, puxou, e... nada! Seu cajado tinha deitado raízes.

Naquela hora o senhor do castelo de Engelbourg ficou pasmo vendo um curioso fenômeno que acontecia na orla do bosque. Ele viu três luzes que brilhavam em cima de um pinheiro.

Ele acorreu para o local e encontrou o servidor que não conseguia tirar o cajado com a relíquia do santo bispo.

Os dois contaram tudo o que sabiam e concluíram que em tudo isso havia um sinal divino.

Um e outro prometeram construir uma capela no local. E então, o cajado ficou solto e a disposição.




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